Dr. Carlos Eduardo Guimarães

O dia em o Atlético quase matou Jorginho

Dr. Carlos Eduardo Guimarães*

Toda manhã de domingo aparece sempre uma surpresa. Andava trafegando perto do campo do Ferro Brasileiro (uai, ainda existe a CFB?) quando vi o Jorginho, de mãos dadas com sua filha, herdando junto ao pai a paixão pelo futebol, mais objetivamente, pelo Atlético Mineiro.
Jorginho sempre descontraído, parecia gostar da vida como um malabarista gosta do picadeiro. Aproximei e como velho amigo observador, notei um ar de preocupação, no franzir da testa distraidamente. Ao me encontrar, Jorginho manifestou: Cara! Que bom te ver…. Estava prensando em te ligar. Queria te dizer que não tenho sentido bem ultimamente. Hoje, cê sabe né?, é um dia especial, pois vamos “jantar” o Corinthians e partir com tudo pra buscar a segunda estrela na camisa. Por isso tô com um aperto no peito que parece que o coração tá amarrado! Tava pensando que você poderia me receitar um calmante, que não atrapalhasse a cervejinha ….
? Meu caro amigo Jorginho, sabia que você me deu uma grande ideia? Você pode me ajudar a realizar um trabalho! Estive na PUC do Paraná fazendo uma pesquisa sobre estresse e acredito que hoje seria um dia bacana pra uma avaliação. Vamos nessa?
? Carlinho, cê tem certeza que não vai atrapalhar assistir o jogo do Galo?
? Claro que não! Você vai assistir ao jogo, só que com alguns fios ligados no seu corpo, mais precisamente no dedão do pé e outro na região do peito. Assim vamos poder avaliar o consumo de oxigênio do seu coração durante o jogo e ver se vale a pena passar por este sofrimento todo. Confio em você… principalmente porque este trabalho poderá me ajudar. Então, Jorginho, irei almoçar na sua casa, tá bom? Bota água no feijão, mas não se esqueça, sou vegetariano… sem essa de picanha argentina!
Fui pra casa pensando realmente em elaborar um trabalho sério sobre as conseqüências do estresse no dia-a-dia e porque não, durante uma emocionante partida de futebol. Olhei o relógio e me dei conta do horário combinado. Era hora de ir para a casa do Jorginho.
Chegando lá, vejo em frente à TV, a torcida organizada formada pelos não menos fanáticos Adalberto, João Pé Grande, Grilo e o Marcelo Cassemiro (vereador). Todos devidamente uniformizados (camisa e latinha na mão). Perguntei pelo Jorginho e me disseram que estava na cozinha fazendo o almoço. Sabia dos dotes culinários do moço, e sabia também dos tira-gostos sempre elogiados pelo Joney. Chegando à cozinha, o Jorginho estava preparando feijão preto com arroz branco. Esta era a receita. “Hoje aqui tudo é preto e branco até a comida”… (Risos)
Neste instante, é anunciada a escalação do Galo pela Itatiaia, e a voz do locutor João Vítor lembrava que a paixão deixada por Roberto Drumond continuava viva, sempre acompanhada por uma legião imensa de torcedores. Logo após, manda um abraço pro Jorginho pelos alcances da Itatiaia. Só faltava essa. Era tanta emoção que pensei logo em ligar os aparelhos no Jorginho. Gritei por ele, e disse: – Meu amigo, sente-se aqui e fique quieto que vou acionar os aparelhos. A partir de agora vamos saber como está este coração alvi-negro. Ligando o aparelho, notei o ritmo cardíaco um tanto quanto acima do normal, mas a oxigenação era boa e dava para compensar a taquicardia. Disse que não bebesse mais, e fui logo recebendo um “pára com isso meu irmão”, hoje é água na lata e samba no pé…
– Está bem, mas vamos com moderação.
Neste instante o galo entra em campo e os olhos do Jorginho brilhavam como os de um menino em desfile de 7 de setembro. O coração acelera, o consumo de oxigênio aumenta e o Galo, de cara, leva um gol. Era o começo de mais um vexame. E dá-lhe Corinthians.. 2 a 0. Achei que o coração do Jorginho iria parar quando o atlético empatou em 2 a 2, mas continuou firme, batendo compassadamente como os tamborins de uma escola de samba, que sempre esperam o amanhecer para acreditar que a vida sempre começa dia após dia.
Acaba o jogo, 6 a 2 para o Corinthians e com ele mais um sonho de ser campeão. Jorginho retoma o ritmo normal, apesar do infortúnio, comenta aos amigos: Mas que baixo astral é esse gente? O galo vai passar por cima disso! Ano que vem vocês vão ver…. O glorioso vai nos dar muita alegria! E agora gente, só nos resta brindar a vida; viva o atlético, paixão maior que arrebenta o coração! Arrebenta não… quase… E assim o domingo se foi.
Na segunda-feira após conclusão do trabalho, enviei ao Jorginho meus agradecimentos e relatei: O seu coração aguentou Jorginho, aguentou bem. Pode continuar torcendo pro galo, pelo menos enquanto o feijão for preto, o arroz for branco e a esperança caminhar à frente da vida.
Até a próxima.

*Carlos Eduardo Guimarães é Médico, com especialização em Acupuntura e Clínica Médica e pós-graduação (latu sensu) em Fitoterapia. Autor do livro "Nutrição Ayurvédica - Do Tradicional ao Contemporâneo". Colunista do jornal Acontece (Caeté-MG), de 1997 a 2017, quando o jornal deixou de cirular impresso.