Dr. Carlos Eduardo Guimarães*
Era uma manhã de sábado, as nuvens encobriam a serra encolhida pelo chuvisco que embaçava a paisagem. Todo sábado tem um astral diferente.
Afinal de contas é um dia de curtir e preguicear. O telefone toca : Alô, é o doutor Carlos? ? Sim, Sou eu mesmo
-Doutor, quem fala aqui é o Geninho, primo do Toca, lembra de mim?.
-Sim, claro.
-Doutor estamos precisando de sua ajuda. Minha irmã mais nova caiu doente na cama e com essa onda toda, estamos achando que é dengue…
-Me aguarde uns minutinhos que logo estarei aí, até logo.
Chegando a casa da irmã de Geninho, fui recebido pela vizinha Matilde que se mostrava preocupada com a situação. Meditei sobre o fato; interior tem amizades verdadeiras…. Apesar de mórbido, era bom ver a solidariedade.
– Ainda bem que o senhor veio. A Vandinha não come nada há um bom tempo… Não quer conversar com ninguém…..
– Quando foi que ela ficou assim?
– Tem um mês que ela tá meio esquisita. A família tá preocupada, achando que pode ser a tal da “dengue”. Essa doença pode até matar, né mesmo ?
– Bom vamos examinar e depois eu poderei falar alguma coisa.
Entrando pela casa, fui logo observando se havia sinais de criadouros de pernilongo; vasos com água, pneus velhos no quintal, latas com resto de água, poças, enfim tudo que poderia ser favorável ao desenvolvimento das larvas do pernilongo transmissor da virose. Não achei nada suspeito.
Entrei no quarto da moça e logo deparei com um mural feito por ela, composto por jogadores do Flamengo. Achei estranho uma moça criada em Caeté ser tão aficcionada pelo futebol do Rio de Janeiro, mas tem gosto pra tudo…
Aproximei e cumprimentei a paciente: Bom dia, sou Carlos, médico amigo de sua família. O que está acontecendo com você?
Ela ficou durante alguns segundos paralisada e logo após respondeu:
– Nada não.
Achei estranho a resposta, mas existem pacientes durões, podia ser mais uma. Observei que a paciente não queria diálogo. Passei a examiná-la. Após o exame, constatei tudo normal, apesar do olhar triste, encovado, que me acompanhava detalhadamente.
Durante todos os movimentos, Vandinha carregava uma imagem de São Judas, que guardou no criado mostrando uma fé enclausurada. Observei a Vandinha incomodada e um pouco deprimida, o que me fez avançar: Vandinha posso ajudá-la de alguma forma?
– Bem doutor, na verdade não estou sentindo dor nenhuma, a não ser dor de cotovelo.
– Você está triste com que ?
– O senhor vai achar que é bobagem… Mas é devido a vinda do Edilson pro Cruzeiro.
Eu era apaixonada pelo “capetinha “… Agora no Cruzeiro, tive que acabar com essa paixão. É só isso doutor, mais nada.
– Bem já que o problema é esse, o remédio não encontraremos na farmácia e sim na fé de um dia o Edilson voltar pro Flamengo… Infelizmente não posso fazer nada, mesmo porque sou torcedor do Vasco! Mas não fique triste, a vida tem coisas muito importantes para ser vividas. Futebol é uma ilusão renovada a cada final de semana. Bem, vou embora Vandinha te desejando boa sorte!
Saindo da Casa, a família esperava ansiosa pelo resultado, vieram logo perguntando:
E aí doutor é dengue mesmo? – Graças a Deus não, é DENGO PELO MENGO…….
*Carlos Eduardo Guimarães é Médico, com especialização em Acupuntura e Clínica Médica e pós-graduação (latu sensu) em Fitoterapia. Autor do livro "Nutrição Ayurvédica - Do Tradicional ao Contemporâneo". Colunista do jornal Acontece (Caeté-MG), de 1997 a 2017, quando o jornal deixou de cirular impresso.