Dr. Carlos Eduardo Guimarães

Raízes

Dr. Carlos Eduardo Guimarães*

Carlos Guimarães

Uma árvore séquida reuniu suas últimas forças e dirigiu-se à semente :

“ Filho do claro outono, luz da vida, sinto frio e já não tenho a plenitude.
Percebo que vou partir.
Deixo em ti toda a lucidez que outrora participava
da natureza divina, amando os seres que me cercavam.
Semente, és o germe da vida. Dentro de ti nascerão outras.
Deixo minha semelhança em tua sombra
e o sabor da sabedoria em teu fruto.
Durante a vida, nunca te aborreças com a tempestade, nem tão pouco com os homens que venham ferir-te, roubando teu perfume.
Crê na harmonia e que tua candura fortaleça a essência de tua seiva,
chamando ao encontro o telúrico e o celestial.
Procura sempre a justiça da natureza, mas nunca aceites que o vento
venha derrubar-te sem que tuas raízes lutem pelos teus sonhos. ”

A Semente, humilde na sua forma e desprotegida na sua inocência, capitulou :

“ Diz- me, árvore-Mãe, neste momento, quando tua existência significa
o fruto mais doce de tua experiência, vai sucumbir ?
Qual o sentido da vida ? ”

A Árvore, agonizante, respondeu :

“ Tudo o que é verdadeiramente grande nasce do amor.
A vida é a expressão mais sublime dessa perfeição. Para agradecer a cristalização de tua divindade, revela em tua grandeza o reconhecimento ao recompensar todo amanhecer, oferecendo tuas flores.
Entrega teu corpo ao abrigo das revoadas, símbolo maior dos cânticos corais que, sinfonicamente, afinam seus poemas reveladores.
Seja neste plano exemplo da evolução e das benesses
que o signo solar concedeu-te. Saiba que o silêncio é tão importante quanto as palavras, forma de conduzir as emoções de tua chegada,
e coragem contida na decisão de partir. ”

Suspirando, a velha Árvore expirava feliz ao ver na Semente a imagem de sua existência, sentindo que, mesmo na morte, encontrava a certeza da vida.
A vida sempre haveria de existir.
Uma chuva fina molhava a Semente. Era o convite. A água e o fogo se uniam. No centro dos pontos cardeais, aparecia a referência, indicando uma direção. Um caminho próprio de cada ser, dentro de uma multidão que não caminha ao acaso. É a individualidade que marca os traços diferentes com gestos trazidos do passado.
Abria-se no seu interior e fazia brotar a sabedoria, uma filosofia que pouco a pouco se transformaria em uma nova criatura, uma Árvore, milagre que celebra um admirável momento da existência.

 

paulo

*Carlos Eduardo Guimarães é Médico, com especialização em Acupuntura e Clínica Médica e pós-graduação (latu sensu) em Fitoterapia. Autor do livro "Nutrição Ayurvédica - Do Tradicional ao Contemporâneo". Colunista do jornal Acontece (Caeté-MG), de 1997 a 2017, quando o jornal deixou de cirular impresso.