Dr. Carlos Eduardo Guimarães

Tive uma paciente que mentia

Dr. Carlos Eduardo Guimarães*

Tive uma cliente que mentia. Mentia para todos sem deixar dúvidas quanto ao seu comportamento compulsivo. Fazia tratamento para eliminar a obesidade e brigava comigo todas as vezes que eram feitas a pesagem e tomada de medidas do corpo.
Um dia chegou nervosa e foi logo esbravejando: Seu tratamento não vale nada!!! Não emagreci nem 100 gramas!!! Fiquei desapontado com seu comportamento agressivo e lhe disse que iria reestudar detalhadamente seu caso.
Passaram-se três dias e quando me dirigia para casa, vi a cliente entrar sorrateiramente no Mc Donnald’s. Antes de entrar, olhou para todos os lados para ver se ninguém atestava o fato. Não perdi tempo. Estacionei o carro e fiquei observando a paciente sem que ela me visse. Pois bem, ela comeu nada menos que 3 sanduíches daqueles de 2 andares!!! Tomou um copão de Coca-Cola e para palitar os dentes, mandou um sundae.
Esperei calmamente seu retorno ao consultório, que se daria no dia seguinte. Chegando ao meu consultório, ela veio novamente me chamando de incompetente, além de questionar os atendimentos. Perguntei a ela se estava realmente cumprindo as orientações dadas. Ela disse que estava fazendo tudo como eu tinha orientado. Questionei sobre sua ida ao Mc donnald?s, fato que tinha presenciado no dia anterior.
Imediatamente ela se transformou e começou a chorar desesperadamente declarando arrependimento e que seu caso não tinha solução. A ré confessou que comia escondido de todos e que mentia para o marido, filhos e também para os médicos. Falei para ela que o caso dela era para um psiquiatra e que eu iria indicar um médico especializado no assunto para atendê-la, pois o diagnóstico dela era COMPULSÃO ALIMENTAR. Como podemos tratar?
O tratamento terapêutico pode ser bastante útil para entender os próprios sentimentos e rever a relação emocional estabelecida com os alimentos. O compulsivo come às escondidas, rapidamente, sem sentir o sabor dos alimentos e sem perceber quando está satisfeito. Não se pergunta por que precisa comer tanto. Acredita que poderá compensar os excessos com uma dieta saudável no futuro.
É uma forma incoerente de lidar com suas necessidades. De modo geral, não se sente capaz de adotar novos comportamentos que demandam tempo para serem incorporados O caminho a ser percorrido para atingir as metas é muito importante. É ele que produz o verdadeiro processo de desenvolvimento. Entretanto, esse caminho é considerado pelo compulsivo como um obstáculo indesejável, pois ele está interessado na obtenção de satisfação imediata.
Para a pessoa se conhecer melhor e dominar a compulsão alimentar, as mudanças devem ocorrer aos poucos. Embora muitas vezes o indivíduo deseje encontrar uma saída para este problema sozinho, a compulsão raramente é controlada sem um tratamento específico. O ideal é que se procure um psicólogo ou um psiquiatra, visto que hoje existem profissionais especializados no tratamento destes distúrbios.
O trabalho psicoterapêutico ajuda o indivíduo a reconhecer os fatores desencadeantes da compulsão, sejam eles conscientes ou inconscientes e lhe oferece a possibilidade de se reorganizar e de conquistar uma vida mais saudável. Reconhecer os prejuízos causados pela compulsão e procurar ajuda é o primeiro passo para o alcance de uma vida mais saudável.
Até a próxima

*Carlos Eduardo Guimarães é Médico, com especialização em Acupuntura e Clínica Médica e pós-graduação (latu sensu) em Fitoterapia. Autor do livro "Nutrição Ayurvédica - Do Tradicional ao Contemporâneo". Colunista do jornal Acontece (Caeté-MG), de 1997 a 2017, quando o jornal deixou de cirular impresso.