Uma doença chamada Atlético

Na minha profissão de médico já tratei de tudo, até mesmo medo de assombração… E olha que não foi tão difícil assim como pensei. Dentre vários processos mórbidos, um dos mais difíceis de se tratar, sem dúvida, é a síndrome da paixão doentia.
Esta complexa síndrome é definida como aquela que consegue uma mudança da percepção, onde tudo passa debaixo da ponte da razão e transforma a chuva em sol, o triste em alegre, a resignação em esperança. Paixão por um amor perdido, paixão por perda do cachorro amigo ou mesmo por algum ente querido significam o irreparável. Mas a paixão do Jorginho Barbosa pelo Atlético, tem aos meus olhos, um médico torcedor do América, uma sensação de algo incurável. Vou contar porque.
Era uma noite de sexta feira, chovia mansamente criando um cenário de final de ano quando fui chamado para atender uma pessoa que precisava de uma consulta de urgência. Quando me passaram o recado fui logo ver o logradouro onde se encontrava o moribundo e vi que era a casa de Jorginho. Pensei, o Jorginho sempre foi muito saudável, o que poderia estar acontecendo? Um repente de lucidez me esclarece a questão, pois lembrei que Jorginho sempre teve uma doença a qual padece há muitos anos, e que para mim é incurável e irreversível: Torcer apaixonadamente pelo o Atlético Mineiro.
Durante o percurso de ida até sua casa imaginei: amanhã é dia de decisão. O Galo tinha que ganhar o jogo e torcer para que os resultados dos outros jogos fossem a favor do Atlético, senão a segundona seria um triste destino. Chegando na casa do Jorginho, como de praxe, a cerveja gelada na roda e o pagode ensaiado pelo Nilo e o Chieira davam um tom de festa. O Nilo, cruzeirense confesso, fazia a primeira voz e gritava ironicamente pro Cheira: Faz a Segunda atleticano! Chieira retrucava: Atleticano nunca faz segunda porque quem nasceu pra pato, nunca será galo forte!
Lá de dentro, acamado e segurando uma imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, estava o Jorginho. Estava febril, com sudorese profusa, taquicárdico, boca repleta de herpes acompanhado de uma expressão triste, exaltando os olhos lacrimejantes.
Chegando lá perguntei por que não tinha me chamado há mais tempo, pois afinal de contas, além de amigos, somos quase vizinhos. Jorginho confessou: “Estou com a passagem comprada pra ir pra Caxias do Sul pra ver o Galo ganhar do Juventude e sair da incômoda posição de brejeiro, e tava com muito medo de você me proibir de ir lá e juntamente com a “mulher” me obrigar a ficar aqui neste calvário… Mas eu vou assim mesmo. Faz uma acupuntura igual aquela que você fez da outra vez, que eu fico bom”.
Jorginho tinha planejado partir no outro dia cedo junto com o Chieira, Ricardão e o Dalton Petronilho. Após um exame minucioso, conclui: – Jorginho, você está com uma doença difícil de tratar mas… esta doença não vai ser empecilho capaz de barrar a ida até Caxias pra ver o Galo jogar.. – Pode fazer a mochila amigo. Vai pro Sul e não esqueça que estaremos te esperando, com derrota ou vitória. Boa sorte Jorginho.
O atlético jogou. O domingo foi amargo para quem tinha um fio de esperança. O galo tinha sido rebaixado à humilhante condição de disputar a série B do Campeonato Brasileiro. Lembrei de vários amigos doentes como Jorginho que estão em outras paragens: Marreta e o Raimundo Amaro, que certamente estariam cedo na região da banca da Maria manifestando a inconformação.
A calada noite de domingo passou e na manhã da segunda feira encontrei Jorginho, cara boa sem sinal de sofrimento. Foi trabalhar vestindo a camisa do atlético com um ar de orgulho que só quem entende a paixão pode explicar. Passaram alguns dias e fiquei a pensar: Esta doença chamada futebol está presente nestas pessoas, que apesar da “segundona”, mostra mais do que nunca, que continuará se manifestando nos apaixonados, fazendo a temperatura subir, o coração estremecer e os olhos brilharem de emoção.
Até a próxima