Daniele Vilela Cardoso Leite

A Ausência da Função Paterna

Daniele Vilela Cardoso Leite*

O fato do modelo tradicional de família composto por pai, mãe e filhos ter sofrido profundas transformações não é novidade, e as análises dos reflexos dessas mudanças são necessárias para melhor adaptação aos novos moldes surgidos e às conseqüências de todas essas variações no padrão familiar. Hoje presenciamos famílias compostas por pai e filhos, ou mãe e filhos, ou casal homossexual e filho(s); avós e netos. Tios, sobrinhos e avós. Padrasto, mãe e filhos. Madrasta, pai e filhos etc.
Diante de novos modelos de organização familiar observamos não raro a falta das figuras parentais. Afetivamente as conseqüências são amplas. A ausência do pai ou da figura masculina dentro de um lar reflete na criança ausência de Lei. A figura paterna em termos de papel na função psíquica é estabelecer a separação e o discernimento entre o que é permitido e o que não o é. Não no sentido autoritário, mas no sutil sentido de efetuar as adequações de até onde ir. A ausência simbólica dessa Lei no mundo psíquico da criança gera dificuldade de entendimento dos limites impostos pela vida em comunidade e pela condição humana. Cometer transgressões inconsequentes pode refletir essa falta de referência paterna ou masculina. As drogas, o crime, o ilegal, o desonesto, a violência, etc. podem ser reflexo dessa falta psíquica no indivíduo.
A função paterna pode ser exercida por outra pessoa que não o pai biológico, ou por alguma instituição, ou referência que imponha o limite. O que não pode acontecer é a ausência dessa referência. As figuras parentais ou os que assim fazem seu papel compõem o primeiro modelo de identificação da criança, o que mostra o tamanho da importância de tal modelo. Através desse, entre outros fatores, a personalidade passa a ser tecida, construída. A ausência do acompanhamento à criança durante seu desenvolvimento gera falta afetiva, o que leva a comportamentos desviantes e confusão no mundo interno. Discernir o que é permitido do que não é depende das relações estabelecidas junto às principais referências da criança. É um aprendizado que se estabelece a cada vivência. Cometer infrações implica em não respeitar o estabelecido como limite, o que gera conseqüências das mais diversas como violências, uso de drogas, abuso de velocidade, falta de respeito a si e ao outro.
O pai é o primeiro limite existente entre a criança e a mãe. No início para a criança há uma indiferenciação entre ela e a mãe. É como se fossem um só ser. E a figura paterna, pelo simples fato de existir, já sinaliza que não é bem assim…É necessário que o estabelecimento de novos padrões familiares não aconteça sem os valores e a organização mínima solicitada pelo indivíduo para que sua saúde mental seja preservada. Presenciamos atos de violência e desestrutura por parte de jovens em nossa sociedade, e ao invés de julgá-los é adequado uma reflexão mais ampla sobre as estruturas psíquicas que a criança recebe como ponto de referência. Essa é a base para o enfrentamento dos desafios impostos pela vida. As transformações são necessárias e as mudanças inevitáveis, como nos modelos familiares. No entanto, devem ser pensadas e observadas, pois não é por acaso que convivemos hoje com tamanha insegurança,violência, desrespeito a vida alheia. Que possamos ter a consciência do fato de que as estruturas psíquicas da criança são pilares estruturais para que valores sólidos e positivos possam ser refletidos na vida futura. E as figuras parentais, independente de serem pais biológicos ou não, são as principais figuras responsáveis pelo êxito dessa caminhada da infância rumo à adolescência e vida adulta, por responderem pela formação das estruturas psíquicas, responsáveis por todo o processo de desenvolvimento.

*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.