Daniele Vilela Cardoso Leite

A Negação dos Desafios

Daniele Vilela Cardoso Leite*

Ignorar situações problemáticas, não admiti-las nem reconhecê-las ou considerá-las impede que elas sejam resolvidas. As possibilidades de mudança surgem em função das percepções e atitudes compatíveis diante das mesmas. O uso e abuso de álcool e drogas é ignorado com freqüência e em muitos ambientes, talvez por serem drogas lícitas, aceitas pela sociedade, que é permissiva.
As consequências dos abusos não são salientadas, a propaganda favorável é mais forte e expressiva e aos poucos surgem os problemas. Se a questão não for desconsiderada pelos indivíduos e familiares há muito para prevenir. A experiência clínica comprova. Famílias que procuram a terapia e outros tipos de orientação tem provocado mudanças essenciais no impedimento da evolução de problemas com álcool e drogas que provavelmente se tornariam graves se não fossem trabalhados no início.
Propagandas enganosas associam pessoas famosas e bonitas ao uso de álcool e tabaco, e essa linguagem subliminar é forte. Como foi dito no último curso sobre dependência química ministrado no Ciclo Ceap de Belo Horizonte, “ninguém torna-se dependente químico de uma hora para outra, assim como o dia não vira noite de uma hora para outra”. É um processo, é progressivo.
Várias outras situações merecem atenção, como relacionamentos que demonstram declínios, crianças e jovens que passam a apresentar baixo rendimento pedagógico, pessoas que demonstram estar desmotivadas e deprimidas. O corpo também oferece sinais. Doenças que poderiam ter sido tratadas e evitadas também não o são pelo fato do corpo “falar” e “ não ser escutado”.
A Psicanálise baseia-se na escuta do inconsciente mas o próprio consciente não tem sido considerado. Fatos são negados talvez por medo, orgulho, acomodação. Se há uma suspeita de que algo não caminha bem é adequado relevar. Caso alguém ao seu lado exagere no uso de substâncias químicas, ou percebe-se desgaste constante no relacionamento amoroso, ou crianças e jovens iniciam um processo regressivo, ou um familiar encontra-se com freqüência desanimado, triste, desmotivado, deprimido, tais percepções devem ser respeitadas. Mas para tanto é necessário atenção e disponibilidade interna para observar.
Existem doenças que após um certo tempo podem ainda responder bem aos tratamentos, mas outras nem tanto. Se não tratadas no início existirão muitas dificuldades para serem superadas. Os extremos são nocivos. Reforçar demais ou desconsiderar e negar os sinais observados são enganos cometidos. A referência é o equilíbrio, o meio, assim como o é a temperança em nossa vida.
No livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” o autor André Comte-Sponville diz sobre a virtude da temperança: “ A temperança é essa moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de seus escravos. É o desfrutar livre, e que por isso, desfruta melhor ainda, pois desfruta também sua própria liberdade. Que prazer é fumar quando prescindimos de fumar! Beber, quando não somos prisioneiros do álcool! Fazer amor sem sermos prisioneiros do desejo! Prazeres mais puros porque mais livres. Mais alegres, porque mais bem controlados. Mais serenos porque menos dependentes. Ela é a cumeada, diz Aristóteles, entre os dois abismos opostos da intemperança e da insensibilidade, entre a tristeza do desregrado e a do incapaz de gozar, entre o fastio do glutão e do anoréxico. Que infelicidade suportar seu corpo! Que felicidade desfrutá-lo e exercê-lo!”

*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.