Daniele Vilela Cardoso Leite*
É necessário ao ser humano, principalmente em época de formação psicofísica (fase da infância), ter a quem amar, ser amado, manter relação com outro ser humano que envolva afetividade. Nessa construção e vivência são estabelecidos os pilares da estrutura psíquica e internalizados os aprendizados com o mundo externo em termos de reações emocionais e concretas.
Como os acontecimentos dos primeiros anos de vida são determinantes e a mãe normalmente é quem cuida, para René Spitz “a mãe é a mediadora de toda percepção, ação e conhecimento que influenciam o bebê, e através de trocas permite a ele desenvolver-se e construir gradualmente uma imagem coerente de seu mundo”. Mas não é necessário que sejam apenas os pais biológicos que desenvolvam o papel de pais. É essencial que alguém desenvolva esse papel na vida de uma criança, pois sua ausência concreta gera profundo vazio e desestrutura .
Uma criança que perca os pais e fique institucionalizada em um lugar onde as relações são impessoais e indiferentes estará exposta a violência inimaginável às mentes adultas insensíveis. “ O desenvolvimento psíquico da criança ocorre a partir de signos afetivos da mãe (ou alguém que faça esse papel) como forma de comunicação entre ela e o bebê. Essas trocas permitem à criança armazenar informações externa na memória, desenvolver seus controles, formar suas relações objetais, expressar seus desejos físicos e humanizar-se.”
A instituição tenta fazer as vezes desse “outro”, mas é complicado ela ser essa “mãe” em termos afetivos. As crianças elegem dentro das instituições alguém que os laços afetivos sejam mais expressivos, mas a instituição muitas vezes não supre a demanda afetiva da criança, que permanece deficiente de afeto. Pessoas que trabalham em instituições que acolhem essas crianças e que optaram por esse tipo de serviço por acreditarem poder estar fazendo algo pela situação merecem reconhecimento. “A separação dos pais ou de quem realiza essa função e a internação são, em si, situações traumáticas que ultrapassam o limite do suportável pela criança, provocando angustia e culpa intensas. A carência afetiva será, então, uma decorrência possível dessas vivências e se define como a indiferença nas relações: afeto alegre e indiscriminado a quaisquer pessoas ou retraimento e indiferença ao contato”. Com a tragédia no Haiti muitas crianças foram colocadas à adoção. Há histórias de famílias estruturadas e felizes com seus filhos adotivos, mas também famílias que nem tanto, como ocorre também com os filhos biológicos. Sabe-se que há crianças que desejam e precisam de amor, e há adultos assim também que demandam cuidar e amar. É da junção de ambas as partes que carências afetivas podem dar espaço a construções de relações interpessoais surpreendentes…
Artigo baseado no trabalho “A Carência Afetiva de Crianças Órfãs” – Bibliografia: Ajuriaguerra, J Manualde Psiquiatria Infantil, / Altoé, Sônia Infâncias Perdidas /Guirado, Marlene, Instituições e Relações Afetivas / Rappaport, Clara Regina, Psicologia do Desenvolvimento / Spitz, René A. O Primeiro Ano de Vida
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.