Daniele Vilela Cardoso Leite

Como falar sobre morte com crianças

Daniele Vilela Cardoso Leite*

A visão que as crianças têm do mundo e da vida é muito diferente dos adultos. São linguagens muito distintas. A criança, a cada experiência vivida, vai descortinando uma nova realidade e tecendo sua forma de receber cada novo acontecimento.
Com o adulto também é assim, mas em uma velocidade e intensidade muito diferentes. De forma muito mais lenta e rígida.
Segundo estudos da Psicóloga Regina Helena Elia, “até os cinco anos, a criança não tem noção da morte como definitiva: associa-se à separação e percebe-a como temporária e reversível. Dos cinco aos nove começa a entendê-la como definitiva e universal, tende a vê-la como se fosse uma pessoa que vem buscar alguém. Só depois dos nove anos é que a criança compreende a morte com todas as suas características”.
Não é raro nessa idade, por volta de nove anos, crianças com súbitos medos de perder os pais, ou com repentinos comentários que demonstram pensamentos dessa ordem povoando seu mundo interno.
Pode-se falar em morte com as crianças a partir dos mais variados contextos, e não apenas diante da perda inesperada de um ente querido. Uma flor que é semeada, cresce e morre. Um dia que começa, se mantém e morre para a chegada da noite, e depois um novo dia. Assim é a vida, repleta de mortes e nascimentos. Mas quando acontece algo inesperado, uma morte de alguém próximo, é importante que com afeto, amor, bom senso, se fale a verdade. Os rituais que envolvem este momento (velório, enterro, missa, etc.) servem para ajudar na assimilação do fato e elaboração dos sentimentos. Rituais têm essa função. Através do canal simbólico promovem mudanças internas em termos de sentimentos, emoções. Levar uma criança a um ritual desses sem que ela queira ou sem que seja avisada do que se trata não é adequado.
As crianças podem não vivenciar esse ritual do velório e enterro e assimilar a perda de outras maneiras. Mas se desejarem ir, depois de explicado a elas como será, é porque sentem essa necessidade interna e precisam vivenciar essa realidade. O essencial é que hajam canais para elas liberarem seus sentimentos. Possam chorar, se expressar, no momento e da maneira que quiserem. É importante dizer a elas a verdade, o que realmente aconteceu, mas não é preciso entrar em detalhes sobre algo que possa ter sido trágico. As crianças, assim como qualquer ser humano, em qualquer idade, têm que lidar com a perda quando ela acontece. Isso é inevitável e faz parte da vida. A postura mais adequada dos adultos deve ser de não esconder sua própria dor, mas também de não exagerá-la ou enaltecê-la demais diante da criança. Crianças se espelham nas atitudes dos adultos, e podem agir da mesma forma. Reprimir ou enaltecer não são posturas saudáveis emocionalmente nem para os adultos, nem para as crianças.
Se, com o passar do tempo, a criança expressar agressividade, regressão, choro excessivo é sinal de que ela precisa de ajuda. Essas são reações que podem acontecer. O que não estará certo é que elas perdurem por um tempo muito longo, prejudicando a vida escolar, social, e a saúde da criança. Caso isso ocorra, é adequado procurar um profissional da área da saúde, de preferência, um psicólogo.
Crianças muito pequenas recebem as informações e as codificam de maneira literal, ou seja, ao pé da letra. Se falarmos “tal pessoa está dormindo”, é assim que a criança entenderá e poderá ficar esperando acordar.
O fato é que em qualquer idade tem que existir espaço para a canalização e elaboração da perda. Dizer à criança que pode haver saudade, sentimentos não muito agradáveis, mas que com o tempo vão passando. Não passa o amor, mas a dor se transforma. A criança perde o ventre materno e ganha a vida, perde o colo constante, e ganha a liberdade de ir com as próprias pernas onde quer, e assim vai crescer. Viver é uma arte de ganhar e perder todo o tempo. A natureza é assim. Transformações e readaptações constantes.
No mundo da fantasia até os personagens e super-heróis podem morrer. O Super-Homem, o Incrível Huck, a Mulher Maravilha, Visconde de Sabugosa, entre tantos outros personagens, passaram pelo momento da morte em determinados episódios. Os contos de fadas também trabalham o tema da morte. O importante é explicar à criança que pode chorar, sentir, mas que a vida continua e com o tempo esses sentimentos também vão se transformando.
Livro indicado para crianças e adultos em momentos de perda: “A história de uma folha” , Leo Buscaglia, editora Record

*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.

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