Daniele Vilela Cardoso Leite*
Os seres humanos estão intimamente interligados ?em rede?. Até certo ponto, dependermos uns dos outros é natural. Quando nasce, é impossível que o bebê sobreviva se não existir alguém para cuidar dele. À medida que cresce, isso muda, até que ele possa se cuidar sozinho, e futuramente, possa cuidar também de outros seres.
Precisamos uns dos outros. Precisamos trocar uns com outros, de várias maneiras. Emocionais, profissionais etc. Por exemplo, quanta falta faria ao médico a não existência do delegado. Quanta falta ao delegado a não existência do dentista. Quanta falta ao dentista a não existência do pedreiro. Quanto falta ao pedreiro a não existência do advogado, e assim por diante.
Em termos psicológicos precisamos muito uns dos outros. Precisamos das figuras que exerçam o papel materno, paterno, fraterno, afetivo. Nossa necessidade de relacionar-nos é algo de ordem vital. Mas o que não cabe é de em nome do medo de perdermos amor e aceitação, e por medo da solidão, suportarmos relações que não fazem bem. Que fazem sofrer. Relações em que um suga o outro. Um se apodera da vida do outro.
Tem que haver liberdade nas relações. Pessoas mais evoluídas em termos afetivos, psicológicos, espirituais, mostram através de seus exemplos de vida, que isso é possível. Desde que o autoritarismo, o egoísmo e o apego exagerados cedam lugar ao diálogo, à empatia (virtude de se colocar no lugar do outro), à confiança na verdadeira força da relação e dos sentimentos que a mantém.
Presenciamos indivíduos que sufocam os parceiros, pais que sufocam os filhos, que impedem os filhos de crescerem e serem independentes, e pessoas que ?sugam? quem estiver ao redor e for mais acessível. Dependem de ?cobaias?, pessoas para controlarem, mandarem, exercerem poder e canalizarem assim sua energia, de forma que beira às vezes a patologia. Com isso não olham para si mesmos, não se enxergam, não se percebem. Não têm coragem de ficar frente-a-frente consigo mesmos. Aí se distraem com e nos outros.
Em relações assim a responsabilidade é dos dois envolvidos. De quem domina e de quem é dominado. Se há permissão para isso acontecer, a responsabilidade é bilateral. E assim se constroem relações de interdependência que se arrastam por toda a vida, se nada for feito para que aconteçam mudanças. Ou tratamento psicológico, ou trabalho pessoal, ou algo parecido. Se não houver empenha nas mudanças, o prognóstico é de alguém adoecer (depressão, câncer etc.), ou morrer, ou a traição entre os parceiros, ou a atitude de um dos envolvidos ir embora de repente.
Nas relações paternas e maternas, corre-se o risco de existirem filhos dependentes, que não conseguem desvincular, criar sua própria família, não conseguem crescer, se tornam eternos adolescentes.
Quantas são as relações em que o fio que segura a união e a convivência é o da dependência emocional. É possível e adequado que o fio que sustente a relação seja o do bem querer, do amor, da confiança, da liberdade. É totalmente possível haver liberdade acompanhada de respeito nas relações. Isso se houver confiança e entrega bilateral.
Liberdade é algo que os seres desejam, por mais medo que possam ter dela, pois a liberdade implica em se responsabilizar pela própria vida. Antony de Melo comenta sobre algumas das correntes que aprisionam os homens. Primeiro ele cita as más experiências do passado (para se libertar, fé e gratidão. Tudo acontece para nós aprendermos). Segunda, as boas experiências do passado (desse modo se abandona o presente encerrando a chance de novas alegrias). Terceira, a ansiedade e o medo do futuro ( não queira controlar a vida, ela é da ordem do imprevisível. Tenha fé!)
A liberdade nas relações é possível e necessária. Ela pode manter uma relação por toda uma vida. Não adianta existirem as dependências e as resistências às perdas da vida. As perdas são inevitáveis, mas as conquistas também. Com liberdade e maturidade, as conquistas serão cada vez maiores e melhores…
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.