Daniele Vilela Cardoso Leite*
Com a saída de casa da mulher rumo ao mercado de trabalho, a realidade infantil se transformou. Observa-se hoje a inconstância dos horários e da rotina dos pais, e isso reflete diretamente na vida das crianças.
Até os sete anos, a personalidade do indivíduo está em formação. A partir desta fase, o que acontece é uma “lapidação” em seu modo de ser e estar no mundo. Essa idade é de estrutura, base para as outras etapas.
Não é incomum escutarmos os pais comentarem que nesta primeira infância os filhos ainda não entendem muito bem os acontecimentos, mal sabendo que o filho é, em grande parte, reflexo do que vivencia nesta fase.
Pode ser que a criança, ao ouvir o pai chamar a mãe de “incompetente”, não saiba exatamente o significado desta palavra, mas ela capta a vibração da agressão em outro nível, e fica registrado em seu inconsciente.
A linguagem infantil é outra, muito diferente da adulta. Daí tantos problemas na criação das crianças. É muito sutil e abstrato o mundo delas. Uma situação típica é a falta de noção de muitos pais em relação à segurança que transmitem aos filhos. Para a criança, saber que ela vai acordar, se alimentar, brincar, e encontrar os pais (objetos de amor e segurança) é muito importante.
Caso aconteça alguma situação e os pais precisem viajar, ou no dia a dia tenham imprevistos e sejam inconstantes, a criança ainda não sabe que a vida é da ordem do imprevisível. Não possui a vivência e maturidade para entender os imprevistos e ela é tomada pela sensação de abandono, medo, solidão. E acha que os pais não voltarão.
Surge então o argumento de muitos pais que imprevistos acontecem e esta é uma realidade que a criança vai ter que lidar. É então saudável lembrar que há a saída de telefonar, conversar, passar a informação à criança que eles voltarão. Como diz a Psicanalista Anna Verônica Mautner, “até mesmo nós adultos temos a necessidade de perceber no presente sinais de um futuro que virá que nós não temos certeza”.
Para que o indivíduo cresça e consiga lidar bem com a questão do imprevisível e da falta de segurança que está intrínseca à realidade de estar no mundo, é importante na primeira fase da vida essa confiança depositada nos pais. Aprende-se assim a acreditar em uma força maior, e a prever e esperar o melhor.
Quando as crianças passam por muitos traumas, sustos e medos, se transformam em adultos medrosos. Medo de se entregar ao amor e perdê-lo, medo de se entregar a vida e perdê-la. E depois é necessário um grande esforço para perceber o mundo de outra maneira. É possível, mas um processo de amadurecimento doloroso. Portanto, pais, a dica dos especialistas é: “se vocês não sabem quando vão voltar para casa, digam: não sabemos. Telefonem quando souberem”. Será um gesto pequeno para o adulto e muito, muito grande para a criança.
Não existem ainda cientificamente causas comprovadas para a Síndrome do Pânico, mas sabe-se que experiências difíceis de medo, principalmente na primeira fase da vida, aliado a outros fatores, podem ficar registradas no inconsciente e virem à tona nestes momentos de desespero profundo de uma pessoa em crise. Obviamente (e o óbvio é difícil de ser percebido), é melhor prevenir que remediar.
Pra lembrar
Na verdade, pessoas especiais, como padre Virgílio, não morrem nunca.
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.