Daniele Vilela Cardoso Leite*
Adultos geralmente concebem a infância como uma etapa assexuada da vida, o que não é bem assim. O que ocorre é uma vivência diferente da sexualidade.
É na infância que o indivíduo faz diversas descobertas como, por exemplo, que existe o masculino e o feminino. Fazer estas descobertas é estar vivenciando a sexualidade.
Ao nascer e cortar o cordão umbilical, a criança deixa de estar passivamente recebendo a vida (o alimento, o oxigênio) e é obrigada a unir todas as suas forças e fazer contato com o externo, inspirando o ar. O organismo tem que lutar para sobreviver. “A angústia de respirar é a perda do paraíso bíblico e o início da conquista do pão com o suor do rosto”. “Respirar é o marco da independência humana. Inspira-se o ar saudável, repleto de oxigênio e expira-se o ar viciado. Ao nascimento, a estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. É pela boca que se mobilizará na luta pelo equilíbrio homeostático. É pela boca que começará a provar e conhecer o mundo. É pela boca que fará sua primeira e mais importante descoberta afetiva: o seio. O seio é o primeiro objeto de ligação infantil. É o depositário dos primeiros amores e ódios. O seio já existe para a criança enquanto ela ainda não consegue reconhecer a mãe por inteiro. Isto se construirá gradativamente a partir do amor que o seio oferece. Erikison define que, neste momento, a criança ama com a boca e a mãe ama com o seio”.
Até por volta de um ano a criança reconhece o mundo pela boca. “Freud percebe que, além da necessidade física de alimentação, a criança sente um grande prazer no ato de mamar em si. Mesmo depois de satisfeita, ela continua a sugar a chupeta. Quando dorme, faz movimentos de sucção, aparentando grande prazer. Este vínculo inicial de prazer em si, independente da sobrevivência física, constituirá a base das futuras ligações afetivas. O que é o afeto senão um vínculo prazeroso que se estrutura independentemente das necessidades básicas de sobrevivência, embora com ela tenha correlações iniciais? É a capacidade de formar um vínculo de prazer em si que pode permitir a formação da afetividade.”
Por aí vemos como e de onde vem a força da oralidade. Assim entende-se melhor a dificuldade em parar de fumar e em fazer regimes alimentares. Além da dependência química do cigarro, há a emocional. A sensação de prazer que muitos sentem ao acender e levar um cigarro à boca remete à fase oral. Ao levar o alimento à boca, a pessoa sacia não só a fome física, mas também a afetiva. A dependência emocional que o cigarro e o alimento exercem no homem é forte e suas origens são a infância. Por isso é tão difícil vencer estas dependências, apesar de ser possível.
Os primeiros sete anos da criança definem o seu comportamento pelo resto de sua vida. Os adultos geralmente se referem à sua infância como algo longínquo, distante, mal sabendo que ela está sempre presente, independente da idade do indivíduo. As faltas sentidas pelo sujeito (de amor, compreensão, segurança, plenitude etc.), na hora em que o cigarro ou o alimento entra em cena, são, naquele momento, completadas. Mas logo em seguida surge a frustração, pois a pessoa percebe que este refúgio no cigarro ou na comida são apenas paliativo para o problema. Uma sensação de alívio das tensões e faltas apenas momentâneo, e que além de tudo ainda traz malefícios à saúde.
Das pessoas que têm este tipo de problema, cada uma desenvolverá o seu próprio processo de conscientização da necessidade de mudança. Mas quando se ama alguém que esteja passando por isso, nada impede que se ajude essa pessoa nesse processo, rumo à solução. Contando que haja respeito, o importante é estarem sempre ajudando uns aos outros.
Referência: Psicologia do Desenvolvimento, Clara Rapport
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.