Daniele Vilela Cardoso Leite*
A teoria de que amor de mãe é instintivo e incondicional é culturalmente glorificada e para a maioria da população inquestionável. Porém a mais respeitada terapeuta familiar do país, Maria Tereza Maldonado, concedeu uma entrevista à revista Família Cristã, na qual defendeu a tese de que o amor materno não é natural, mas construído.
“Trabalhos de antropólogos e sociólogos que estudaram a maternidade nos tempos antigos verificaram que em determinadas épocas era comum mães abandonarem as crianças. Os bebês eram colocados em instituições ou dados a outras pessoas para serem criados e poucos sobreviviam. Não só as famílias carentes faziam isso, mas também as ricas. Tal atitude mostra que cuidar dos filhos não é um instinto. Isso ocorria com filhos legítimos ou bastardos. Por volta dos séculos 15 e 16, tratava-se de um pensamento generalizado que os filhos não precisavam ser cuidados por suas famílias. A criança não tinha, na Idade Média, a condição de ser humano, com direito a bons tratos. Por volta do século 18 houve uma mudança no discurso dos filósofos e no século 19 surgiu, por parte dos médicos, a ideia da importância do amor materno. O instinto materno humano é portanto discutível. Ainda hoje há um número expressivo de crianças abandonadas, maltratadas, espancadas e até mortas por suas famílias, mostrando que o vínculo biológico não garante amor e proteção. Por outro lado, observam-se famílias com filhos adotivos e homens e mulheres que partiram para novos casamentos e acolheram crianças de seus companheiros e companheiras com amor profundo. É a prova de que amor a uma criança não depende do vínculo biológico. O que existe é amor materno, sentimento adquirido que se estabelece pelo contato e disposição da pessoa em amar a criança. As relações humanas são muito complexas. Como entre os seres humanos todo amor é construído, assim é também com o amor materno. A maioria dos animais irracionais é dotada de instinto materno. Uma pata ou uma galinha assim que têm seus filhotes, estes vão atrás delas, os põem sob suas asas. Essa necessidade de proteção acontece com as cadelas, as éguas, e outros animais. Elas, sim, têm instinto” – argumenta ela.
Essas foram as palavras de Maria Tereza Maldonado. Eu, particularmente me questiono. Será o amor de mãe instintivo ou construído? Ou os dois ao mesmo tempo? Será que é a cultura que nos induz a pensar que faz parte da natureza feminina, ou é realmente assim? O primeiro passo para se chegar a uma conclusão é conseguir ter um olhar crítico sobre a situação e não aceitar passivamente o que a cultura determina como verdade. Esta é a importância de termos uma visão mais questionadora e realmente crítica sobre a nossa vida, as nossas relações, nossas atitudes e as dos outros, enfim, o nosso mundo. Só assim poderemos fazer descobertas que nos ajudarão a crescer e nos defenderão da manipulação do outro em nossa vida.
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.