Daniele Vilela Cardoso Leite*
“A marginalização social do louco, como também do adcito (drogado), responde à necessidade que tem a sociedade de manter ocultas suas próprias contradições”. Assim diz Eduardo Kalina e Santiago Kovadloff em seu livro “Drogadicção, Indivíduo, Família e Sociedade, no qual é feita uma relação fantástica entre a loucura e a droga no contexto social, despertando no leitor uma consciência crítica que leva a um ângulo de visão profundamente instigante.
“As pessoas que ficam loucas ( e entre elas estão as que consomem drogas à procura de alguma força capaz de conter as suas angústias pessoais) são as que não resistem mais à pressão que é exercida sobre o seu equilíbrio pela alienação familiar em primeiro lugar, e ambiental ? isto é ? social ? depois. Afundam-se na loucura impulsionados pela impossibilidade de superá-la e, ao mesmo tempo, tentam, através dela, achar uma solução psicótica para os seus transtornos. Vale a pena lembrar que, etimologicamente, a palavra adicto significa escravo”. “O comportamento adictivo é uma das formas em que se manifesta a conduta delirante. Tentemos agora entender, ao menos em suas características mais gerais, os motivos pelos quais o toxicômano é concebido como um marginalizado social”. “O delírio é o instante no qual estoura a coerência atribuída às articulações de um sistema cultural. É o momento em que se desencontram violentamente o que a norma coletiva dita e o que a conduta individual acata”. “Como o suicídio, o assassínio e a guerra, o delírio é o subúrbio sempre crescente da irracionalidade. É o calcanhar-de-aquiles, o lapsus dramático e inegável. Quando irrompe o delírio, tremem as bases da sociedade, porque a conduta do louco e do adicto evidenciam a fragilidade do equilíbrio psicossocial seja isto formalmente aceito ou não”. “Sob o furacão da loucura se derruba como pó a grande ilusão do entendimento oficial: o senso comum não é tão sólido como se pretendia; o pacto entre as premissas da conduta social “normal” e seu cumprimento individual quebrou-se”. “Questões que acreditávamos definitivamente fechadas voltam, então, a se abrir. A incerteza ocupa o lugar da segurança, e o louco se projeta, perante nossos olhos, como uma ameaça: é o espelho onde vemos refletida nossa própria inconsistência. Vítima e porta-voz de contradições que também são nossas, o louco é a trágica encarnação de tudo o que a maioria dos homens suporta, reprimida e silenciosa”. “Pretendemos curar ou reprimir os alienados mentais? Estamos preparados para aprender o que os dementes nos querem ensinar com sua doença?” “Tudo o que o meio cultural tem de repressor e de coercivo desmorona com o aparecimento do ato do demente. Por isso, pelo que implica como desmedida e transgressão, como insubordinação e violência, a loucura constitui uma ameaça e uma agressão. Não foi outro motivo pelo qual Artaud viu-se obrigado a dizer que “os loucos são vítimas individuais por excelência da ditadura social”. “O psicótico é o sistema comunitário se autocondenando; a proclamação da inconsistência do Eu num meio que teima em assegurar a consistência dos valores da individualidade e da realidade do sujeito singular. Na pessoa do louco a sociedade anuncia publicamente seu extravio”. “Pode-se dizer a mesma coisa naturalmente, do fenômeno da droga. Porque se a loucura é a expressão crua da crise da razão, a adicção constitui o questionamento, brutal e direto, do vínculo profundo e em geral velado que caracteriza as relações do homem com os produtos tóxicos que consome”.
Esta leitura me fez pensar na novela “O Clone”, que mostrou a realidade das pessoas adictas e suas famílias através da personagem central que envolveu o tema das drogas que era chamada Mel. Realmente é bonito ver a televisão sendo utilizada como veículo educativo para mostrar as conseqüências do uso das drogas. Mas ao ler tudo isso que foi escrito no livro sobre drogadicção, é impossível não ir mais além. Não será a própria televisão um dos componentes que induzem a sociedade a se tornar mais alienada? Não estará mostrando o mal que ela mesma ajuda a disseminar? O louco e o drogado “gritam” a necessidade de uma sociedade diferente. Mais humana. Segundo os autores do livro, baseada na realização plena do homem, e não na produção e no consumo de coisas. Uma sociedade amável -ou seja, digna de ser amada.
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.