Daniele Vilela Cardoso Leite*
Quais as mentiras mais comuns que os pais contam para os filhos?
É comum presenciarmos adultos falarem às crianças mais novas: “Não vá aquele lugar porque tem bicho papão, ou algo do tipo…”. Nesse caso é comum ameaças mentirosas para controlar a criança. Alguns pais, por medo de decepcionar os filhos ou dar mal exemplo, mentem que estavam trabalhando até tarde, enquanto estavam no bar por exemplo. Pais mentem geralmente por não darem conta da realidade. E por não conseguirem assumir suas falhas.
Mentir é benéfico ou prejudicial para a aprendizagem? Até que ponto?
Os pais precisam ter consciência de que tudo o que fazem é educativo ou não. Os pais são a referência de comportamento dos filhos. Muitos pais que não aceitam a realidade ou não dão conta dela podem distorcê-la para evitar que o filho passe pelas dificuldades. Mas é inevitável. Dificuldades fazem parte da vida. Os pais precisam aceitar tal fato, e criar os filhos para superarem os desafios, e não para evitarem os desafios. É nesse sentido que a mentira é imensamente prejudicial. E se os filhos presenciam e percebem que os pais mentem, estarão aprendendo a mentir, e sem a culpa, o que é o mais grave. O sensor interno da culpa é formado na infância e baseado nas experiências que os pais repassam aos filhos. Nas atitudes dos pais. A infância é uma fase de formação do caráter. As instâncias psicológicas estão sendo formadas, e a referência principal são os pais. Portanto a mentira de uma forma geral é nociva ao desenvolvimento.
Que tipos de mentiras são permitidas contar aos filhos? Quais são condenáveis?
Não se deve mentir. Há situações nas quais tem que ser levado em consideração o desenvolvimento da criança de acordo com a idade. Pode acontecer dela não apresentar condições de compreensão. Então podemos deixar de relatar certas informações. Por exemplo em caso de estupro de um irmão ou irmã, abuso sexual por parte de um dos genitores, etc. Explicar tal situação a uma criança muito nova e que ainda não apresentou curiosidade em relação às questões da sexualidade pode ser um desses casos em que falar os fatos como eles realmente aconteceram pode não ser benéfico. Não é mentir. Mas também não é falar como se estivesse conversando com um adulto. É saber a hora e a forma de relatar acontecimentos. Tem que haver bom senso. Aí está um desafio. Para haver bom senso os pais tem que conhecer um pouco sobre o desenvolvimento infantil. Precisam pelo menos se disponibilizar a se colocarem no lugar da criança. Essa é a virtude da empatia. Educar é trabalhoso. Demanda esforço dos pais. Por isso presenciamos hoje tantas crianças deseducadas…
Uma criança que vive em um ambiente de mentiras e desconfianças pode se tornar um adulto inseguro e desconfiado?
Com certeza. E provavelmente é o que irá acontecer. A criança fica sem referência, sem parâmetro para a compreensão da vida. Não sabe quando dizer a verdade. Não sabe adequar suas falas. Fica confusa. Não sabe quando confiar no que escuta. Como disse há pouco, é na infância que o caráter é formado. A criança está descobrindo e conhecendo o mundo. Não sabe ainda distinguir o que é verdade e o que é mentira. Ficará perdida. E a nossa vida adulta é vivenciada com base nas primeiras experiências…
O reflexo de crescer em um ambiente de mentiras poderá refletir em todos os aspectos da vida do indivíduo. Na postura no mercado de trabalho, nas relações interpessoais (namoro, casamento, amizade, etc) e em quaisquer outras situações. Portanto pais, tenham consciência de que todos os seus atos estarão educando ou deseducando…
*Entrevista concedida ao Canal Futura, segunda-feira, 1º de abril [de 2013]
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.