Daniele Vilela Cardoso Leite*
Os primeiros anos de vida de uma criança são de extrema importância em termos de desenvolvimento físico e psíquico. É também uma fase de grande dependência.
Não há como sobreviver sem o cuidado de um outro ser. Todo o desenvolvimento ao longo da vida reflete as primeiras experiências. As chamadas “meninas lobo” são um exemplo de como, além do cuidado físico vital, as primeiras referências serem determinantes para o desenvolvimento humano como um todo.
“Na Índia, onde os casos de meninas-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos. Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram. Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às crianças com as quais conviveu. A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples”.
Dependência portanto é algo inerente à experiência do humano. No entanto, à medida que cresce, é fator intrínseco tornar-se independente. A adolescência é uma fase em que grandes cortes são efetuados, daí um dos fatores de tantos conflitos entre pais e filhos. Muitos são os pais que ao invés de promoverem a independência do filho não o fazem por serem os próprios pais psicologicamente dependentes dos filhos. Tirar o olhar do filho muitas vezes conduz ao foco de si mesmo, o que causa em muitos profunda resistência. Jung diz: “o melhor que um pai tem a fazer por seu filho é cuidar e zelar pela sua própria vida”.
Muitos deixam suas vidas de lado e passam a viver em função dos filhos de maneira exagerada, superprotetora, o que impede o crescimento de todos. Muitos são os pais que temem mudanças nos pontos de vista por parte dos filhos, e não estimulam portanto a autonomia. Resistir à ordem natural dos acontecimentos e criar laços de dependência bilateral exagerada atrasa o desenvolvimento, impede a fluidez. A começar pelo próprio desenvolvimento neuromotor, nos primeiros anos de existência. Pais passarem seus valores e referências aos filhos é algo que acontece de forma natural. Impor que os filhos aceitem e sigam exatamente os mesmos pensamentos é algo que vai contra a ordem natural, pois é necessário, para que haja evolução, que surjam os pensamentos diferentes. Esse respeito aos filhos nem sempre existe. Os medos de que respeito seja confundido com liberdade em excesso leva pais a superprotegerem e criarem dependências. Muitos não suportam o fato dos filhos pensarem e serem diferentes do desejado. Até uma determinada idade é natural que os filhos dependam dos pais em termos afetivos e financeiros. O inadequado é a o exagero. É na idade adulta não haver rompimento de laços necessários ao crescimento. Esse rompimento é papel dos filhos, mas a relação entre pais e filhos é bilateral e sofre influência da forma como os pais conduzem suas próprias vidas. Muitas vezes os processos são demorados, lentos, em função de grandes dificuldades emocionais.
Cada indivíduo possui seu tempo, seu processo. Fato é que a consciência da real situação é o que mais ajuda na evolução dos processos. Já diria a Ciência da Psicologia quão importante é trazer à consciência algo que permeia toda a vida do sujeito, mas muitas vezes é inconsciente. Trazer essa Luz é algo indispensável ao desenvolvimento de todos…
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.