Daniele Vilela Cardoso Leite*
Ao mesmo tempo em que o sentimento de culpa impede que se faça algo de ruim a si e ao outro, sendo um mediador moral e uma espécie de sensor que barra os instintos, inclusive os irracionais, e neste sentido trabalhando a favor do indivíduo, a culpa também possui um outro lado. Impede muitas atitudes positivas devido a papéis e conceitos distorcidos, incutidos pela criação e cultura em que a pessoa está inserida.
Os excessos ou a falta de sentimento de culpa trazem conseqüências desastrosas. O equilíbrio é a saída e a saúde. Muitos pais, para impor sua vontade sobre o filho, criam a criança como se tudo o que fosse diferente do pensamento deles, fosse pecado ou um erro grave. Logicamente eles têm que dar referências, e na primeira infância são inúmeros “nãos” falados. Falados não apenas com palavras, mas também com atitudes, em um processo natural que constrói o que na psicologia denomina-se superego, ou seja, a internalização dos limites, o que cria o juízo de valor.
Vem daí o sentimento de culpa. Por exemplo, a criança aprende que mentir é errado, e caso minta, se sente mal, culpada. É desta maneira que vai se formando a personalidade. Presenciamos muitos pais exagerando tanto no excesso quanto na falta do limite.
Muitas religiões também exploram o sentimento de culpa para dominarem os fiéis, embora também ocorra dos próprios fiéis interpretarem o que é dito de maneira distorcida. O perigo de usar uma linguagem figurada com eles é que nem sempre estão preparados e podem interpretar errado e colocar outro sentido. Criam-se, assim, equívocos na linguagem.
Isto acontece não apenas na religião, mas nas várias outras situações em que a linguagem figurada é utilizada. E assim vão crescendo as neuroses… Há pessoas que constantemente se sentem mal, culpadas de algo, fora de lugar, como se não coubessem no mundo. Isto advém da não aceitação de si mesmas. O que ocorre é o recalcamento das características negativas que o sujeito considera possuir (se tornam inconscientes) e isto vai gerando a auto rejeição e o sentimento de culpa.
Há indivíduos que se autocastigam e não se permitem a felicidade por possuírem um profundo sentimento de culpa. Sem perceber, procuram os fracassos amorosos, econômicos, interpessoais. Se perguntam por que repetem sempre os mesmos erros. Por exemplo uma mulher que termina um relacionamento porque descobre que o parceiro é casado e um tempo depois se envolve com outro homem e descobre que ele também é casado.
O autocastigo também ocorre sob a forma de vícios ou doenças (auto destruição). São as chamadas doenças psicossomáticas (em minha opinião todas o são). No “pano de fundo” dessas possíveis situações está a necessidade de auto-aceitação e amor a si mesmo. Também por isso existir o jargão de que o amor é tudo. Se amar com as qualidades e defeitos também. Saber aceitar que nem sempre acertamos, nos permitir errar (obviamente, de maneira equilibrada, sabendo que permanecer no erro é que é o errado), é o caminho para o equilíbrio emocional.
Tomar consciência de tudo isso e buscar se amar e se perdoar, é um lindo processo que o indivíduo percorre na vida rumo à felicidade e à realização.
“As crianças precisam mais de exemplos do que de críticas “J. Joubert
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.