Daniele Vilela Cardoso Leite*
Neste nosso mundo globalizado e competitivo, os indivíduos vão se esquecendo da grandiosidade que pode estar contida na simplicidade. Assim é Carlos Drummond de Andrade. Simples e profundo. Descomplicado e complexo ao mesmo tempo. Por isso, às vezes tão incompreendido.
Assim também é com a vida da gente. Tente “decifrar o enigma” e entender o que Drummond quer dizer neste poema: “Lira do amor romântico”
“Atirei um limão n?água e fiquei vendo na margem. Os peixinhos responderam: Quem tem amor tem coragem. Atirei um limão n?água e caiu enviesado. Ouvi um peixe dizer. Melhor é o beijo roubado. Atirei um limão n?água, como faço todo ano. Senti que os peixes diziam: Todo amor vive de engano. Atirei um limão n?água, com um vidro de perfume. Em couro os peixes disseram: Joga fora teu ciúme. Atirei um limão n?água mas perdi a direção. Os peixes, rindo, notaram: Quanto dói uma paixão! Atirei um limão n?água, ele afundou um barquinho. Não se espantaram os peixes: faltava-me o teu carinho. Atirei um limão n?água, o rio logo amargou. Os peixinhos repetiram: É dor de quem muito amou. Atirei um limão n’água, o rio ficou vermelho e cada peixinho viu meu coração num espelho. Atirei um limão n?água mas depois me arrependi. Cada peixinho assustado me lembra o que já sofri. Atirei um limão n?água, antes não tivesse feito. Os peixinhos me acusaram de amar com falta de jeito. Atirei um limão n?água, fez-se logo um burburinho. Nenhum peixe me avisou da pedra no meu caminho. Atirei um limão n?água, de tão baixo ele boiou. Comenta o peixe mais velho: Infeliz quem não amou. Atirei um limão n?água, antes tivesse atirado a vida. Iria viver com os peixes a minh’alma dolorida. Atirei um limão n’água, pedindo à água que o arraste. Até os peixes choraram porque tu me abandonaste. Atirei um limão n?água. Foi tamanho o rebuliço que os peixinhos protestaram: se é amor, deixa disso. Atirei um limão n?água, não fez o menor ruído. Se os peixes nada disseram, tu me terás esquecido? Atirei um limão n?água, caiu certeiro: zás-trás. Bem me avisou um peixinho: Fui passado para trás. Atirei um limão n?água, de clara ficou escura. Até os peixes já sabem: você não ama; tortura. Atirei um limão n?água e caí n?água também, pois os peixes me avisaram, que lá estava meu bem. Atirei um limão n’água, foi levado na corrente. Senti que os peixes diziam: Hás de amar eternamente”.
Assim como Drummond, os adágios populares também são simples e dizem muito. Você já ouviu o que diz: “Se a vida dá a você um limão, faça dele uma limonada”? No poema e no adágio popular sentimentos tão profundos são simbolizados pelo limão. A linguagem simbólica produz várias possibilidades de leitura. A questão é que para entendermos todo este poema temos que lê-lo, observá-lo, analisá-lo, introjetá-lo. Assim é também com a vida. Para fazer da leitura dela algo prazeroso, leve, mágico, é fundamental ter em mente o quanto a simplicidade seduz pela sabedoria e força. O quanto ela é essência de toda complexidade da vida.
“Ao viver mais simplesmente, livramos da ansiedade nossos sobrecarregados recursos pessoais – nossa mente, espírito e emoções.”
*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.