Daniele Vilela Cardoso Leite

Um Presente no Dia dos Pais

Daniele Vilela Cardoso Leite*

Pensar sobre a criação das crianças de hoje é propício à véspera do Dia dos Pais. Esta é uma das datas que o capitalismo elegeu para ser tradição de comemorações, alimentando assim nossa necessidade consumista.
Um dos modos impostos pela cultura para manifestar sentimento é através do presente. Oferecer algo ao pai é a maneira ensinada às crianças de dizer: amo você. De expressar amor. Existem famílias em que as posses são tão importantes, que se torna no pensamento dos pais a maior manifestação de amor. “Gosto tanto do meu filho que vou trabalhar o dia todo, aos finais de semana, nas férias e horas vagas para poder dar a ele tudo de bom e melhor”. Desta maneira está ensinando à criança que o maior sentido da vida está em ficar em função de ganhar o máximo possível a fim de ter uma boa vida.
Chega então o Dia dos Pais, e se a criança não compra um presente bonito e caro, não sente que está expressando o seu verdadeiro amor. E assim vão crescendo, e elegem como o deus de sua vida o dinheiro. Os seres humanos vão elegendo seus deuses ao longo de suas vidas. Como para alguns é o dinheiro, para outros é a droga, ou o poder, ou a família, ou a filantropia, ou o trabalho etc, etc.
Esta é uma questão ideológica, mas torna-se perigosa à medida que as pessoas não percebem quais são os deuses de suas vidas e o por quê eleger aquele determinado deus. O capitalismo induz as pessoas a nomearem o consumismo como sentido de vida. E ele é tão traiçoeiro que impossibilita o sujeito de ter visão crítica, de perceber a situação.
Prova da força dele em nossas vidas eu tive esses dias em um curso de filosofia para crianças. Foi feita a pergunta: Por que as crianças param de fazer perguntas? “De onde vem a luz? Por que o gato não fala? Por que você tem que sair? Por quê? Por quê?… Isto vai até 8, 9 anos. Por volta desta idade elas quase não perguntam mais. É a nossa vez de perguntarmos por quê? Teria passado a curiosidade infantil?”
“Ao ingressarem na escola, as crianças aprendem algo: quase há uma única resposta; é encontrada nos livros e quem a sabe é a professora… As crianças aprendem que sua tarefa é a de aprendê-la sob pena de não sair bem nos trabalhos e, o que é pior… não sabê-la pode implicar numa reprovação ao final do ano. As respostas certas são importantíssimas. As perguntas? Ninguém tem tempo e muito menos interesse nas perguntas bobas de crianças. E as respostas de crianças? As crianças sabem muito pouco e estão na escola para aprender. Aprender o quê? Ora, as respostas que os adultos já têm! ”
Este parágrafo escrito por Catherine Young Silva nos leva a enxergar muita coisa. Pergunto eu a você, leitor: como vamos fazer uma leitura crítica sobre o deus do capitalismo e do consumismo, sendo que fomos criados neste modelo que Catherine acaba de nos mostrar? E que é reproduzido em nossas crianças e assim sucessivamente? Desta maneira a cultura não está nos induzindo a eleger o deus que ela quiser? Que por sinal é o consumismo, sem que nem percebamos?
Para a criança, oferecer um presente no Dia dos Pais a alguém tão importante pode ser uma maneira de expressar amor como pode ser uma lição de que o importante é ter condições materiais de comprar o que se deseja e esta deve ser a principal meta. Vai depender dos valores da família para a criança conseguir interpretar o dinheiro em sua vida de maneira saudável ou de uma forma que vai levá-la a eleger como deus coisas que quanto mais se corre atrás, mais quer, estando sempre com uma falta, um buraco no peito, desejando sempre mais. E o que é maluco, gente, geralmente sem nem perceber…
PS: Dr. Carlos Guimarães: admirei cada palavra escrita em seu artigo publicado na última edição do Acontece, “A falta de ética das propagandas”. Parabéns por tão importantes colocações.

*Daniele Vilela Cardoso Leite é Psicóloga, professora de Yôga e colunista do jornal Acontece (Caeté-MG) de 1999 a 2017, quando foi encerrada a circulação da edição impressa.

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